– Então? Vão querer minha ajuda? – ela perguntou.
– O que está acontecendo aqui? – o jovem acordou.
– Espere! De onde ele saiu? – Nínive se assustou – Achei que tinha ordenado para que os guardas deixassem apenas vocês dois? Quanta incompetência!
– Mas o que você está fazendo aqui? – o rapaz cochichou quando viu que alguns olhares começaram a se voltar para nossa cela.
– Quem você pensa que é para falar comigo desta forma? – Nínive se zangou, mas continuou cochichando.
– Alguém muito mais digno que você! – essa foi um soco no estômago. Ponto para o jovem loiro.
– Mas você é muito petulante! – Nínive quase gritou – Eu nem deveria ajudar você a fugir!
– E quem disse que eu quero sua ajuda? – o jovem loiro também quase gritou.
Essa cena me trousse algumas lembranças. Era estranho, mas essa cena me parecia bastante familiar. Era como se eu estivesse revivendo uma fase da minha vida. Como se estivessem fazendo um remake, onde eu era interpretada pela Nínive, mas quem era o jovem loiro na minha vida? Seria o Alexis? A pessoa que não tenho nada além do nome como lembrança?
– Vamos parar de chamar atenção? – Nicardo sussurrou.
– Nicardo? – disse enquanto acordava de minhas memórias perdidas – Eu preciso dizer algo para você, mas não me lembro o que era.
– Tudo bem Beatriz, depois que você lembrar você conta. – Nicardo sorriu – Agora faça logo o que você veio fazer Nínive!
– Realmente e melhor nos apressarmos! – ela fez o resto do corpo ficar visível – Ainda tenho que fazer um buraco nesta cela.
– Buraco? – estranhei.
– Obvio! – ela sorriu – Ninguém pode saber que os ajudei a fugir. Seria péssimo para mim como esposa de Bianor, ajudar os inimigos.
– Só mostraria que você tem algum caráter e um pouco de coração! – Nicardo continuava magoado com a irmã.
– Pode deixar que não irei contar nada a Bianor de que os prisioneiros fugitivos eram vocês! – ela sorriu – Aqueles inúteis não notaram que vocês eram um dos primeiros na lista de procurados por Bianor.
– Agora era só o que me faltava! – Nicardo falou um pouco alto, mas depois voltou a cochichar – Era só o que faltava! Você entregar o próprio irmão!
– Nínive? – segurei nas mãos dela – Eu não te conheço, não sei quais são suas intenções e nem pretendo julgar-la quanto a isso. Não sei o que te fez ficar do lado de Bianor, mas eu gostaria de pedir para que cuida da Camila para mim. Não deixe que ela se case!
– Mas farei isso com muito prazer! – ela sorriu – Não desejo mau a nenhuma das escolhidas de Bianor, apenas quero que elas sumam da vida dele. Eu quero ser a única!
– Obrigada! – sorri agradecida.
Nínive encostou a não na parede e um grande buraco apareceu. Era parecido com um portal mágico ou um buraco negro. A principio temi entrar ali dentro, mas talvez fosse nossa única saída.
– Não tem outra forma de fugirmos? – perguntei.
– Sem que sejam vistos não. – Nínive respondeu – As entradas e saídas das masmorras são monitoradas por vários guardas a noite. Consegui entrar por que estava invisível. Apenas Bianor tem permissão de entrar livremente nas masmorras a hora que quiser.
– Então será isso? – Nicardo disse mais conformado – Você irá ficar mesmo?
– Eu já fiz minha escolha! – ela respondeu – Não há nada que possa fazer para mudá-la.
– E ele? – perguntei apontando para o jovem loiro.
– Podem me deixar aqui! – ele respondeu híspido.
– Deixe de ser tolo! – Nínive brigo com ele.
– Não me chame de tolo! – o jovem quase gritou.
– Se não fugir com eles será morto! – Nínive se alterou.
– Está me ameaçando? – o jovem se levantou.
– Não! – Nínive se acalmou – Estou te alertando. Se você ficar vai acabar levando a culpa e sendo morto. Não desperdice essa oportunidade.
– Prefiro morrer a aceitar sua ajuda! – o jovem era corajoso.
– Você é quem sabe! – Nínive bufou e parou por alguns segundos. Parecia estar pensando – Quer saber, agora eu quero que fique.
– O que? – o jovem se assustou.
– Sim. – Nínive sorriu – Eu quero que você fique exatamente onde está. Isso é uma ordem.
– Agora eu vou! – já havia entendido tudo – Até parece que receberei ordens de você.
– Não, você não vai! – Nínive segurava o riso – Eu exijo que fique. Isso é uma ordem. Você tem a obrigação de me obedecer.
– Pois fique sabendo que eu irei! – o jovem bateu as mãos nas pernas para tirar a poeira.
– Tem certeza? – perguntei.
– O que estão esperando? – ele entrou na frente do portal.
– Sejam rápidos! – foi a última coisa que ouvi de Nínive.
Estávamos novamente no corredor. E novamente o corredor tinha uma aparência diferente. Desta vez as pedras que faziam a parede eram cinza e o chão era de cimento. Um cheiro peculiar invadia o corredor. Era um cheiro de flores mofadas e terra molhada. Não sei exatamente explicar. Era como se estivesse visitando a casa da minha avó.
– Espere um minuto! – o jovem rapaz parou assim que o portal se fechou – Ela usou psicologia inversa comigo?
– Por que vocês homens são tão fáceis de engabelar? – sorri com a piada. E também com a cara de ódio do jovem loiro.
No decorrer do caminho o corredor foi mudando mais uma vez. Parecia que apenas eu notava essas “metamorfoses”. Aos poucos o corredor foi deixando as pedras cinza para trás e mudando para paredes de terra, com pilastras em madeira. Fazia lembrar uma mina ou algo do tipo. O chão havia deixado de ser cimento para se transformar em trilhos e ficava imaginando o que poderia estar passando dentro da cabeça de cada um deles.
– Eu não acredito que fui tapeado! – o jovem loiro resmungava baixo.
– Ei, oh... Ei, você! – não sabia como chamar-lo.
– Está falando comigo? – ele perguntou.
– Sim! – virei os olhos – Qual o seu nome?
– Isso interessa? – ele foi rude.
– Credo! Só estava fazendo uma pergunta. Sem educação! – resmunguei.
– Deixa o cara quieto! – Nicardo sorriu – Ele tem os motivos dele para não falar nada.
– Mas precisava ser sem educação? – olhei feio para o jovem. – Acredito que iremos tomar rumos diferentes – o jovem tentou ser educado – então para que dizer sobre mim?
– Tudo bem, eu ó queria ter a chance de ligar o nome a pessoa. – debochei.
– Deixe o rapaz! – Nicardo sorriu.
– E que... – de repente algo me veio à mente – Preciso falar com você!
– Comigo? – o jovem loiro se assustou.
– Com você não, com ele! – respondi apontando para Nicardo.
– O que foi? – Nicardo ficou preocupado.
– Não lembro. – fiquei constrangida – Mas era algo muito importante.
– Não fique forçando demais! – Nicardo segurou minhas mãos – Pode não ser bom para sua cabeça. Se for importante, você vai acabar se lembrando.
– Mas é importante! – resmunguei.
Novamente andamos por muito tempo naquele corredor. Se eu fosse claustrofóbica já teria tido um ataque há muito tempo. Gostaria de dizer que o corredor não mudou novamente, mas ele mudou. Várias e várias vezes. Chegou certo ponto em que eu simplesmente cansei e parei de reparar. Era inútil tentar entender o que estava acontecendo com ele. Quando estávamos todos começando a acreditar que não sairíamos mais daquele corredor, apareceu uma luz no fim do túnel. Literalmente.
A luz brilhava feito ouro novo, reluzindo um amarelo cintilante que, em certo momento, chegava a cegar os olhos por alguns segundos. Andamos em direção a luz e o que encontramos foi uma maçaneta de porta. Sem uma porta.
– Ela está flutuando? – perguntei.
– Parece que sim. – Nicardo sorriu.
– Será que essa é a saída? – o jovem loiro olhou torto.
– Vamos tentar? – Nicardo levantou a sobrancelha.
– Vamos! – respondi.
– Você primeiro! – Nicardo disse para o jovem loiro.
– Eu o que? – ele estranhou.
– Essa passagem leva para onde quiser, basta ter o local em mente. – Nicardo respondeu.
– Mas eu não tenho nenhum lugar em mente. – o jovem ficou serio – Posso sair onde vocês irão sair. De lá eu me viro depois.
– Tudo bem. – dei de ombros.
Nicardo baixou a maçaneta e uma linha branca seguiu fazendo o formato de uma porta. A linha cortava o corredor e lentamente foi se abrindo e revelando o local onde havíamos deixado o submarino escondido. Assim que saímos, a porta se fechou e a linha branca fez o caminho de volta até sumir completamente.
– Espere! – disse assim que vi o jovem loiro seguindo em outra direção – Tem certeza que quer seguir sozinho?
– Sim! – ele respondeu – Será o melhor a se fazer.
– Tem certeza mesmo? – insisti.
– Beatriz, você não ouviu o que ele disse? – Nicardo olhou torto para mim.
– Então, acho que isso é um adeus. – sorri.
O jovem acenou e seguiu em frente. Aos poucos sua imagem ia sumindo até desaparecer por completo.
– Você o conhecia? – perguntei para Nicardo.
– Vamos entrando no submarino. – Nicardo disfarçou – Pode ser perigoso ficarmos aqui.
O submarino já havia voltado a ficar invisível. O galho identificador estava flutuando. Era incrível como aquele submarino parecia se adaptar a qualquer lugar que fosse deixado. Entramos no submarino vazio.
– Vou tentar falar com Thalassa. – Nicardo sorriu tirando o comunicador do bolso – Oi? Alguém está ouvindo? Será que isso não é meio arriscado?
– Oi! – era a voz de Thalassa – Nicardo?
– Sim, sou eu! – Nicardo respondeu – Está tudo bem?
– Até o momento sim. – barulhos de conversas apareciam ao fundo.
– Algum sinal de Cosmo e Levinda? – Nicardo perguntou.
– Nenhum ainda. – a voz dela estava triste – E vocês? Estão bem?
– Nínive nos ajudou a fugir novamente. Estamos no submarino agora! – ele respondeu.
– E a Camila? – Thalassa perguntou.
– Não tivemos nenhuma notícia dela. – Nicardo olhava o nada – Mas Nínive prometeu cuidar dela caso a encontre.
– Nicardo... Sei que ela é sua irmã. – Thalassa controlava as palavras – Mas será que podemos realmente confiar nela?
– Neste caso sim. – Nicardo não tinha tanta certeza – Ela quer apenas afastar-las de Bianor. Não acredito que faça algum mau a nenhuma das possíveis futuras esposas de Bianor.
– Acho melhor ficarem por ai. – Thalassa pareceu tentar se afastar do barulho – Vamos passar o resto da noite aqui. Façam o mesmo. Amanhã nós seguiremos para o submarino e vamos todos juntos procurar por Cosmo e Levinda.
– Realmente é o melhor no momento. – Nicardo tentava se tranquilizar de algo. Só não sabia exatamente o que.
– Descansem! – Thalassa pareceu sorriu – Boa noite!
– Thalassa? – Nicardo fez bico – Desligou! Que estranho.
– O que? – perguntei.
– Por que o comunicador não funcionou quando estávamos no corredor? – Nicardo coçou a cabeça – Eu fiz exatamente a mesma coisa.
– Talvez Cosmo e Levinda já tivessem sumido naquela hora. – era a única opção lógica que imaginei.
– Pode ser. – Nicardo não parecia muito convencido.
– Nicardo? – cheguei mais perto dele.
– O que?
– Ainda está me incomodando. – fitei-o preocupada – O meu sonho. O que eu não consigo lembrar. Sinto que era algo importante, mas não sei o que era.
– Você acha que foi um aviso? – ele estava preocupado.
– Não sei. – estava confusa – Sei que não foi um simples sonho.
– Mas você não se lembra de nada? – ele segurava minha mão – Quem estava no sonho? Você se lembra?
– Não! – respondi.
– Um lugar? Um fato? Nada? – ele insistia.
– Nada!
– Isso é preocupante. – ele me abraçou – Sonhos podem ser reveladores. Tente descansar um pouco. Ele deve estar ai.
– Será que consigo? – estava intrigada por não lembrar do sonho.
– Consegue sim! – ele sorriu – Eu estou aqui.
– Obrigada pelo apoio, mas não sei se vai adiantar.
Algo estranho aconteceu quando olhei para o rosto de Nicardo. Sempre senti que o rosto que buscava sempre que olhava para ele não era o dele, mas pela primeira vez eu encontrei o que procurava.
O rosto de Nicardo deixou de ser avermelhado e se tornou mais pálido. Seus cabelos cresceram, até a altura do queixo de modo que não conseguia enxergar-la. Seus olhos eram esverdeados e seus lábios faziam um “M” perfeito. Seu rosto se tornou um pouco mais delicado, mas ao mesmo tempo frio.
– O que foi? – Nicardo estava de volta.
– Como era o Alexis? – perguntei.
– Por quê? – ele não havia gostado da pergunta. Já esperava por isso.
– De repente me deu vontade de saber. – tentei parecer que perguntei por perguntar.
– O Alexis era grosseiro, às vezes canastrão e sempre autoritário. – ele não parecia animado – Vocês dois não se suportavam. Brigavam a todo o tempo. Ele sempre te chamava de plebéia insolente. Era um horror.
– Tem certeza do que está dizendo? – perguntei.
– Absoluta! – ele bufou – Quando chegarmos a Capital pode perguntar para o Neandro. O irmão dele. Alias, já me arrependi de ter pedido para vir a Calidora. Se tivéssemos seguido direto para a Capital estaríamos todos juntos e prontos para lutar.
– Não se culpe! – o abracei – Veja só, se não tivéssemos vindo não teríamos encontrado a Camila.
– E do que adiantou? – ele fitou o teto – Ela sumiu. Antes tivesse a deixado fugir.
– E se ela tivesse sido capturada? – tentei consolar-lo – Ninguém sabe o que poderia acontecer com ela.
– Nada! – ele bufou – Bianor nunca faria mal as suas noivas.
– Vamos parar com esse assuntou? – resolvi encerrar a conversa.
– Foi você que começou! – ele bufou.
– Não essa conversa! – corrigi – Estávamos falando de outro assunto.
– Então vamos encerrar esse outro assunto? – ele rebateu.
– Tudo bem. – desisti – Você não gosta mesmo dele.
– Se ele nunca tivesse aparecido em seu caminho, talvez eu não tivesse nada contra ele. – Nicardo começou a fitar o chão – Tenho muito medo de ele voltar e você me deixar. Agora que consegui você, não quero te perder nunca. Mas eu sei que uma hora isso vai acabar acontecendo.
– Lá vem você com esse assunto de novo! – ergui sua cabeça – Eu já disse que não irei te deixar. Eu te amo Nicardo!
– Talvez fosse melhor você se lembrar de tudo de uma vez e reencontrar-lo. – ele estava triste – Se depois de tudo isso você ainda quiser ficar comigo...
– Não fale mais nada! – coloquei o dedo em sua boca.
Não demorou muito para pegarmos no sono novamente. E novamente tive um sonho estranho. Mas desta vez foi um sonho muito mais estranho. Mesmo não lembrando do sonho anterior, tive certeza de que esse sonho era ainda mais importante.
Eu estava em uma floresta. A chuva era fraca, mas eu estava completamente molhada. Uma pessoa estava sumindo. A cada minuto sua imagem ficava mais fraca e eu não conseguia reconhecer quem era.
– Lembrar você dele? – um ser esquisito me perguntava isso.
– Eu não sei. – estava assustada.
– Precisar você lembrar dele. – o ser estava me rodeando – Se não lembrar, rapaz desaparece nunca mais voltar.
A chuva foi ficando mais forte e a imagem da pessoa cada vez menos nítida. Eu estava ficando desesperada. Sabia que aquela pessoa precisava de mim para poder não desaparecer, mas eu não conseguia saber quem era.
– Nicardo? – chutei. Nada aconteceu – Neandro? Tales? Selena ou Thalassa? Linfa? Rei Celeo?
A chuva ficava mais forte ainda e quase não conseguia respirar. Minha roupa já estava mais que ensopada e a pessoa que estava na minha frente estava sumindo cada vez mais.
– Eu ao consigo! – gritei enquanto a chuva aumentava ainda mais.
– Você precisar, garoto sumir para sempre! – o ser baixinho continuava me pressionando.
– Por favor, me deixe ir? – estava chorando de desespero – Eu não consigo mais lembrar. Eu não posso! Eu não posso!
– Tente! – o ser falou.
– Tente, tente, tente, tente, tente! – varias vozes surgiram das árvores.
– Eu não consigo. Não consigo! – a chuva ao dava trégua.
– Faça um esforço. – a voz da pessoa a minha frente quase não saiu – Por mim.
– Você se chama... Você se chama... Você se chama...
– Você consegue! – uma voz feminina veio de trás de mim. Era Thalassa.
– Você consegue! – Tales apareceu do meu lado.
– Não poderia evitar para sempre! – Nicardo estava muito triste.
– Você se chama... Você se chama...
– Não desista! – outra voz feminina surgiu, desta vez apenas dentro da minha cabeça.
– Alexis! – gritei – Você se chama Alexis! Príncipe e herdeiro do trono da Capital!